DIVINO AMOR é um recorte alegórico e plausível de um Brasil no futuro

O mais curioso na recente obra do diretor pernambucano Gabriel Mascaro é o fato de o projeto ter sido elaborado há cerca de 4 anos. Muito antes do atual cenário político do Brasil. O cineasta esteve presente em uma sessão especial no Cinema Dragão do Mar, em Fortaleza e conversou com o público após a exibição do longa.


Mascaro contou que fez uma profunda pesquisa sobre a religião evangélica e todas as dissidentes vinculadas a ela. Ele comentou que se trata de uma doutrina extremamente sofisticada em sua filosofia e que pouco se discute sobre a estética que ela apresenta. Além disso, é uma religião de várias vertentes, porém todas se pautam no pensamento de que o Messias irá voltar. E é justamente com essa premissa em mente que o roteiro do filme se baseia. Como seria o comportamento de pessoas que seguem tal doutrina religiosa, no contexto da sociedade brasileira, em um futuro próximo?  


A história é acompanhada por uma narração em off de uma criança, cuja identidade só será revelada no final filme. A narrativa é construída em cima da personagem Joana, interpretada por Dira Paes. Funcionária pública em um cartório, ela é responsável pelo setor de divórcios, porém Joana sempre tenta fazer com que os casais reflitam bem se realmente é essa decisão que eles querem tomar. E, muitas vezes, ela consegue reverter os divórcios e fazer com que o casal resgate o amor que eles achavam que haviam perdido. Ela faz isso levando esses casais para uma espécie de terapia em grupo chamada “Divino Amor”. Lá eles lêem a Bíblia, refletem sobre suas vidas e compartilham coisas que vão um pouco além de suas angústias. A voz off da criança reforça dizendo: “quem ama não trai, quem ama divide”. 


Seguindo um estilo meio “Black Mirror”, vemos alguns recursos futuristas desse Brasil de 2027, como, por exemplo, as máquinas que ficam nas entradas de todos os estabelecimentos comerciais e públicos e quando a pessoa passa por baixo sinaliza se ela é casada, solteira, se está grávida, etc. Ou ainda, uma espécie de drive-thru da fé, em que um pastor atende os fiéis dentro de seus carros e de maneira mais rápida. Destaque para o ator Emílio de Mello, cuja interpretação como Pastor é, simplesmente, sensacional. Sempre com palavras tão motivadoras quanto clichês para acalmar os aflitos que o procuram.


É interessante observar que o filme segue um viés extremamente honesto e amoral sobre os dramas ali apresentados. Mascaro disse que enfatizou bastante, durante os ensaios e a preparação dos atores, para que eles exercitassem o não julgamento dos personagens que interpretavam. O objetivo era fazer com que todas as pessoas, independentemente da religião que tenham, pudessem se identificar com as dificuldades e tormentos sentidos por Joana. Seja na exaustão dela e do marido (Julio Machado) pela busca de um tratamento para engravidar, seja nos momentos em que ela questiona os conceitos da sua fé. 




Vale também dizer, que o roteiro se relaciona somente com o universo vivido por Joana. Não é apresentado o contexto de outras pessoas que seguem algum outro tipo de religião. Somente em um dado momento, o marido de Joana se refere a essas pessoas como os “desgarrados”. O que nos leva a pensar que esses outros são minoria. 


Outro aspecto que se destaca é uma característica sempre presente nos filmes de Gabriel Mascaro, é a forma como ele expõe os corpos no cinema. Ele busca trazer uma reflexão sobre como o corpo humano é explorado e propõe uma quebra desses paradigmas. Assim ele fez em “Boi Neon” (2015), em que vemos uma longa cena de sexo com uma mulher grávida. Em “Divino Amor” é mostrado um a ultrassonografia na genitália masculina e a violência de um parto cesariana. São duas cenas pouco, ou nunca, vistas no cinema.


A crítica presente no filme recai sobre a hipocrisia, não da moralidade e dos rituais seguidos pela religião da Joana, mas sim dos que dela duvidam. Uma fé inabalável é aquela que não vai ruir diante dos obstáculos da vida, porém, no caso dos devotos da religião retratada no filme, o limite da fé vai até onde a lógica e seus julgamentos alcançam. O preceito “amar a Deus acima de todas as coisas” é elevado à potência máxima. Como resultado, o ser humano, ou qualquer outra criatura terrena, passam a ser considerados de uma existência tão inferior e fraca que podem ser facilmente descartados.



Diretor: Gabriel Mascaro
Roteiro: Gabriel Mascaro, Rachel Daisy Ellis, Esdras Bezerra, Lucas Paraizo
Elenco: Dira Paes, Julio Machado, Emilio de Mello, Teca Pereira
Fotografia: Diego Garcia
Distribuição: Vitrine Filmes
Duração: 1h41min
País: Brasil
Ano: 2019

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