A grandiosidade de OPPENHEIMER está na técnica e no conteúdo

 
Prometeu era um semideus que roubou o fogo de Zeus para dá-lo aos humanos e salvá-los da extinção, diante dos ataques dos animais que foram criados pelo seu irmão Epitemeu. Essa ofensa provocou a ira de Zeus, que aprisionou e torturou Prometeu. 
 

Este pequeno trecho da mitologia grega faz uma analogia à história de vida de J. Robert Oppenheimer, o cientista criador da bomba atômica, e que é o personagem principal da mais nova produção cinematográfica do diretor Christopher Nolan. Produção essa que teve seu roteiro baseado no livro que levou 25 anos de pesquisa: Oppenheimer – O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano, de Kai Bird e Martin J. Sherwin, publicado em 2006.
 
Para contar uma história de tamanha grandiosidade, Nolan optou, mais uma vez, por usar a técnica de filmagem em película IMAX, que proporciona uma dimensão de imagem duas vezes maior que a proporção normalmente utilizada nas telas de cinema. Enquanto as produções, geralmente, são filmadas e exibidas numa proporção de 35mm, o IMAX é de 70mm. Ele afirma que a qualidade da película é insuperável. No entanto, o formato original do filme só poderá ser visto em pouquíssimas salas de cinema no mundo, pois só existem 30 salas que suportam rodar películas de 70mm, e nenhuma delas existe no Brasil. As projeções em salas IMAX são as que mais se aproximam do formato original.
 

Nolan é considerado um dos diretores mais importantes da atualidade, pois seus filmes sempre trazem uma abordagem de linguagem muito peculiar, principalmente no que diz respeito ao tempo narrativo cinematográfico. Desde “Amnésia” (Amnesia, 2000), ele vem demonstrando e evoluindo seu domínio em intercalar diferentes tempos narrativos dentro de uma mesma história.


Em Oppenheimer não poderia ser diferente. O filme apresenta diversas camadas temporais. O espectador vai sendo transportado por essas camadas de maneira muito bem orquestrada pela montagem. Interessante observar que na camada do “tempo presente”, digamos assim, ele opta por usar a imagem em preto e branco, o que geralmente é usado para referenciar um tempo passado. Vale ressaltar que as cenas em P&B foram filmadas com uma película própria e desenvolvida para captar as imagens de forma descolorida.

Essa característica do diretor em utilizar o mínimo possível de filmagens digitais e recursos de computação gráfica, se conecta perfeitamente com a escolha de Cillian Murphy para viver o personagem-título. Murphy é um ator totalmente avesso ao universo de redes sociais e qualquer tipo de recurso tecnológico ou dispositivos que banalizem a comunicação entre as pessoas. Depois de se destacar como chefe de uma gangue na Inglaterra dos anos 20, na série “Peaky Blinders” (Netflix), Murphy mergulhou de cabeça para viver o cientista. Passou por um processo de emagrecimento para tentar ficar fisicamente o mais parecido possível com o corpo do verdadeiro Oppenheimer.
 

A grandiosidade do filme não está nas cenas de ação, como é de costume vermos nas produções anteriores de Nolan, como “A Origem” (2010), “Interstelar” (2014) ou “Tenet” (2020). A ação acontece na apresentação dos detalhes de uma história que, talvez, poucos saibam. O desenrolar político que funciona como um pano de fundo proeminente para compreendermos a dimensão de tudo que envolveu o cenário do desenvolvimento e concretização de uma arma de aniquilação em massa. Pode ser que isso decepcione os fãs de Nolan, que possam ter criado uma expectativa em ver cenas extravagantes e inusitadas, porque em Oppenheimer, o elemento hipnótico está nos diálogos, no campo psicológico-emocional de um personagem que tinha plena consciência de sua responsabilidade.


O roteiro começa a partir de uma audiência fechada em que o cientista responde questões a respeito do seu envolvimento com o Partido Comunista e membros afiliados. Oppie, como era carinhosamente chamado, sempre foi um profundo simpatizante dos comunistas e acreditava no sistema Socialista de governo. Isso numa época em que o contexto histórico era a Revolução Espanhola e, em seguida, a 2ª Guerra Mundial. E é justamente durante o nazismo que chega a informação ao governo americano, através de outros dois grandes cientistas Niels Bohr (Kenneth Branagh) e Albert Einstein (Tom Conti), de que a Alemanha de Hitler poderia estar trabalhando na construção de uma bomba.

Começa então, a corrida para que os EUA desenvolvam uma bomba antes dos alemães. Nasce assim, o “Projeto Manhattan”. E, apesar do governo americano não gostar nada do envolvimento de Oppie com os comunistas, ele é convidado a ser o coordenador do projeto. O convite vem através de um general interpretado por Matt Damon, que é responsável por manter a segurança e o sigilo de toda a operação. Operação essa, que visou a construção de uma verdadeira cidade na região de Los Álamos, no Novo México e levou 4 anos para ser concluída. Oppie trabalhou com uma enorme equipe de cientistas de várias partes do mundo com o objetivo de construção da bomba.
 

O que, talvez, não todos, mas uma boa parte dos cientistas acreditavam, inclusive Oppie, era que a bomba iria por fim a todas as guerras, pois, eles imaginavam que um país que tivesse um poderio armamentista desse porte, faria com que nenhum outro entrasse em conflito com este. Difícil concluir se tal pensamento foi ingênuo ou conveniente para que eles pudessem demonstrar suas genialidades. Seja por um lado, ou por outro, eles conseguiram alcançar o objetivo no ano de 1945.

A guerra contra a Alemanha de Hitler já havia terminado, mas o conflito com o Japão, aliado da Alemanha, continuava. Em 1941 o Japão tinha atacado a base naval militar dos EUA, sediada em Pearl Harbor. Oppie se reuniu com o Secretário de Segurança do governo americano para explicar a potência da bomba e este diz ter uma  lista de 11 cidades japonesas que poderiam funcionar como alvo. O Secretário descarta Kyoto porque foi a cidade em que passou a lua de mel com a esposa. Após esse diálogo repulsivo, Oppie parece começar a perceber o erro cometido. O filme então ganha uma intensa camada de um viés psicológico-emocional, que afeta não só o protagonista como também, nós, os espectadores. Afinal, todos sabemos o fim dessa história.

Nolan, usa alguns recursos que demonstram a perturbação psicológica do personagem, como tremores na imagem ao fundo do rosto em close-up, associado a um efeito sonoro que parece ser de um terremoto. Inclusive, os efeitos sonoros funcionam, em alguns momentos como conectores de diferentes cenas, que vamos encaixando, à medida que o filme avança. Os sons dos pés batendo no chão de uma plateia fervorosa são ouvidos bem antes, para depois compreendermos que esses sons vêm do momento pós bombardeio na cidade de Hiroshima, em que Oppenheimer discursa e comemora o “sucesso” da bomba. É uma cena grotesca, pois trata-se de uma comemoração, que provoca um profundo mal estar.
 

As diversas camadas do tempo narrativo correm em paralelo com cenas em preto e branco, em que acontece uma outra audiência com um Comitê de Segurança do governo dos EUA. Lewis Strauss, vivido por um Robert Downey Jr. quase irreconhecível, é o presidente da Comissão de Energia Atômica, que está respondendo perguntas relacionadas ao “Projeto Manhattan". Dentro das camadas temporais, fica claro que esta audiência acontece em um tempo mais recente dentro do contexto narrativo. E, aos poucos, vamos compreendendo toda a costura política por trás das intenções de cada personagem.

Pode-se dizer que Oppenheimer é um filme histórico-biográfico, que está muito bem dimensionado devido a importância do conteúdo ao qual ele se relaciona. E é justamente nisso que está a grandiosidade do filme, que se propõe a apresentar um recorte de uma importante etapa da história mundial. O então, considerado pai da bomba atômica, passou o resto da sua vida vivendo um profundo remorso por ter criado uma arma de aniquilação em massa. E ele usou esse seu sentimento para se tornar um combativo defensor para criação de leis mundiais, proibindo o uso de tais armamentos. O Prometeu americano acabou por reconhecer que sua genialidade transformou para sempre a humanidade, e afirmou com suas próprias palavras: “Agora, eu me tornei a morte, a destruidora de mundos”.



Ficha Técnica:

Título: Oppenheimer
Elenco: Cillian Murphy, Robert Downey Jr. Kenneth Branagh Matt Damon, Florence Pugh, Emily Blunt.
Direção e Roteiro: Christopher Nolan
Fotografia: Hoyte Van Hoytema
Produtora: Universal Pictures, Atlas Entertainment, Gadget Films e Syncopy
País: EUA
Ano: 2023
Duração: 02h49min


Comentários

Amália Queiroz disse…
Sua crítica sempre nos coloca na sala de cinema despertando ainda mais a curiosidade em assistir aos filmes!
Parabéns!