A VIAGEM DE PEDRO é um mergulho na trajetória psicológica e emocional do imperador do Brasil

Em 1831, nove anos depois de proclamar a Independência da República, o Imperador do Brasil, Dom Pedro I, resolve abdicar e deixar o país. Ele sai rumo à Portugal para resolver um conflito com o seu ultraconservador irmão, Dom Miguel I, que queria ser o rei de Portugal, quando na verdade a herdeira deveria ser a filha de Pedro. Tal conflito ficou conhecido como a Guerra Civil Portuguesa. 

O ator Cauã Raymond interpreta Dom Pedro I

A ausência de registros a respeito dessa viagem, fez com que a cineasta paulista Laís Bodanzky nos apresentasse um relato pessoal e imaginário de como teria sido essa travessia. Na verdade existe um diário de bordo escrito pelo próprio Pedro I, que está no Museu do Ipiranga, porém a diretora não conseguiu autorização para acessá-lo. Baseando-se então apenas em alguns arquivos históricos sobre um ou outro daqueles que integraram a tripulação, ela mesma diz que este é um filme de autor. Laís e o ator Cauã Raymond estiveram em Fortaleza, para a pré-estreia que aconteceu no dia 27 de agosto, no Cineteatro São Luiz.


Laís, que é diretora e uma das roteiristas do filme, optou por uma narrativa extremamente intimista ao mergulhar pelo viés psicológico e emocional de Pedro, que é interpretado com uma entrega total do ator Cauã Raymond. A cineasta tem experiência em explorar cinematograficamente tal temática, uma vez que seu primeiro longa-metragem foi “Bicho de Sete Cabeças” (2001). “A diferença deste é que a loucura é apenas observada, já com Pedro, o filme enlouquece junto com seu personagem”, define Laís.

Após os créditos iniciais, a tela diminui de tamanho e fica na proporção de 4:3. A escolha de tal enquadramento funciona como um recurso de linguagem visual não só para remeter a época em que se passa a narrativa, mas também para simbolizar a angústia do personagem. Pedro se sente sufocado, seja devido as circunstâncias em que ele sai do Brasil, seja pela intensidade de uma longa viagem dentro de uma fragata, seja pelo tormento de suas emoções. A voz de Leopoldina, sua primeira esposa, ecoa na sua cabeça. Além disso, as convulsões epiléticas o transportam para um lugar em seu subconsciente no qual ele dialoga com seus medos. A montagem intercala esses momentos com flashbacks que contextualizam a narrativa e auxiliam o espectador a compreender melhor as inquietações do personagem. E há ainda, a questão de uma provável impotência, que poderia ser decorrente da doença de sífilis, ou mesmo pela forte pressão psicológica que estava sofrendo. Seja como for, este fato era algo extremamente humilhante para Pedro, que era conhecido por ser obcecado por sexo.

Cauã em cena com o ator Sérgio Laurentino

Nessa viagem, embarcam a esposa de Pedro, Amélia, interpretada pela atriz portuguesa Victória Guerra, alguns membros da realeza e um grupo de serviçais, obviamente, negros, para auxiliarem no trajeto até Portugal. A diretora, inclusive, oferece um merecido destaque para os atores pretos, enaltecendo o idioma iorubá, falado entre eles, já que os personagens são ex-escravizados de origem africana: O contra-almirante é vivido pelo ator de Guiné-Bissau, Welket Bunguê, que já é bem conhecido no cinema brasileiro, por sua participação em filmes como “Corpo Elétrico” (Diretor: Marcelo Caetano, 2017) e “Joaquim” (Diretor: Marcelo Gomes, 2017); A portuguesa Isabél Zuaa também atuou em “Joaquim”; O ator baiano Sérgio Laurentino, conhecido por ter interpretado Exú, no filme “Besouro” (Diretor: João Daniel Tikhomiroff, 2009), em sua atuação aqui, vive o misterioso chef de cozinha, cujo personagem, segundo registros históricos, realmente existiu; E, ainda, o ator congolês Calvin Denangowe, interpreta “Tigre”, que é aquele que faz piadas o tempo todo junto com os outros serviçais. Em um dado momento, ele faz uma fala que foi inspirada no livro “Na Minha Pele”, de Lázaro Ramos, em que diz “cansei de ser engraçado”. A diretora conta que essa frase marcou sua leitura, pois Lázaro relata sobre o fato de como ser engraçado o tornou um preto mais fácil de ser aceito pela sociedade.

As filmagens aconteceram realmente dentro de uma réplica de uma fragata, o que passa muita veracidade às cenas. Outras foram feitas em cenários que simulavam o balanço do mar, ou então, com os atores simplesmente se balançando, como relatou Cauã. Ele ainda mencionou sobre a questão da masculinidade tóxica de seu personagem, mas também enalteceu a visão estrategista e política dele, que conseguiu derrotar seu irmão em uma guerra na qual ele tinha um número de soldados bastante inferior. “Ele era um ser humano como todos nós, com algumas qualidades e muitos defeitos”, ressaltou o ator.

A diretora Laís Bodanzky na réplica da fragata

O lançamento do filme coincide com a semana de celebração do bicentenário da independência do Brasil. O governo federal solicitou o empréstimo do coração de Dom Pedro I, que fica sediado na cidade de Porto, em Portugal, para vir ao Brasil e ser exposto no Palácio do Itamaraty. Sobre isso, a diretora criticou tal atitude, dizendo ser algo extremante desnecessário e que só serviu para gastar o dinheiro público. Laís ainda reiterou que o tal “grito da independência” teria sido um cenário inventado pelos livros de história e ilustrado em uma pintura, copiada de um artista francês. “Precisamos sempre estar atentos a respeito do ponto de vista das histórias que lemos e ouvimos”, e no caso dos livros de história de uma determinada geração, eles foram escritos por uma elite que tinha interesses muito específicos, reforça a cineasta. Cauã complementa dizendo que há muito tempo já vivemos no mundo das “fake news”.


O filme estreia dia 1º de setembro nos cinemas brasileiros.


FICHA TÉCNICA

Filme: A Viagem de Pedro

Direção: Laís Bodanzky

Elenco: Cauã Raymond, Victória Guerra, Luise Heyer, Welket Bungué, Isabél Zuaa

Roteiro: Laís Bodanzky, Luiz Bolognesi e Chico Mattoso

Fotografia: Pedro J. Marquéz

Produção: Biônica Filmes, O Som e a Fúria, Buriti Filmes

Distribuição: Vitrine Filmes

Ano: 2021

Duração: 1h36min

País: Brasil, Portugal

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