BARBIE propõe igualdade através de uma desconstrução de mundos

Criada em 1959, por Ruth Handler, co-fundadora da empresa Mattel, Barbie é, até hoje, uma das bonecas mais vendidas no mundo. E sim, todos sabemos que ela também criou um padrão tóxico de beleza para milhares de meninas que não são loiras e possuem um corpo magérrimo. No entanto, é inegável, o quanto um simples brinquedo foi capaz de revolucionar o imaginário infantil, pois até então, as crianças, principalmente as meninas, eram (e, infelizmente ainda são) “educadas” para, desde pequenas, reproduzirem um padrão de comportamento machista, disfarçado de uma brincadeira, em que devem aprender a serem mães. As bonecas se apresentavam, até então, como bebês, ou igualmente crianças. O surgimento de uma boneca adulta, que ocupa diversos espaços profissionais, trouxe uma nova e revolucionária perspectiva para as crianças.



Justamente baseada nessa premissa, é que a diretora Greta Gerwig inicia a sua versão cinematográfica de BARBIE, fazendo uma referência ao filme “2001 - Uma Odisséia no Espaço”, de Stanley Kubrick, com a chegada de uma boneca que, mudou para sempre o universo infantil de uma geração.


A partir daí, somos transportados para Barbieland, o mundo perfeito e cor de rosa onde vivem todas as Barbies e todos os Kens. Greta, que também assina o roteiro do filme, em parceria com seu esposo Noah Baumbach, destila uma enxurrada de sátiras divertidíssimas. Aliás, essa é uma das principais características dessa dupla, que consegue construir histórias e diálogos irreverentes, inteligentes e bem humorados. Vide filmes como “Frances Ha” (2012) e “Mistress America” (2015). Cada um deles também, assumindo o roteiro e direção, individualmente, já tiveram filmes indicados ao Oscar, Greta com “Lady Bird” (2017) e Noah com “História de Um Casamento” (2019).

 


A escolha de fazer um filme humanizado e atual sobre a Barbie, deve ter soado como um prato cheio e delicioso para eles. Barbieland é um mundo liderado pelas Barbies, e lá existem todos os tipos e estilos: Barbie cadeirante, Barbie negra, Barbie presidente, Barbie física, Barbie com corpo não curvilíneo. E o mesmo vale para os Kens, eles também preenchem toda a diversidade de corpos. Exceto o Allan, que foi um boneco lançado nos anos 60, para ser amigo do Ken, mas só lançaram uma única versão dele. E no filme está muito bem representado pelo ator Michael Cera. 


O par principal dentre as Barbies e Kens, ficou para Margot Robbie, que faz a Barbie Estereotipada e Ryan Gosling, que faz o clássico Ken loiro e de corpo bronzeado. É perceptível como os atores parecem ter se divertido muito com tais papéis. E a atriz australiana, que também é uma das produtoras do filme, se sobressai, mais uma vez, com o desafio de uma atuação que se equilibra entre soar excessivamente caricata (mesmo que neste caso seja totalmente permitido), e mais humanizada e real. Robbie foi merecidamente indicada ao Oscar em 2018 por sua atuação em “Eu, Tonya”.

A produção de arte do cenário e figurinos são um grande destaque do filme, que faz ressaltar tudo ser impecável em Barbieland. Toda essa perfeição plástica começa a desmoronar quando a Barbie Estereotipada começa a ter pensamentos sobre a morte. Isso desencadeia uma série de pequenos problemas no seu corpo perfeito. Ela vai então se consultar com a Barbie Esquisita, que leva esse apelido porque uma criança brincou intensamente com ela, digamos assim. E é vivida, acertadamente, pela atriz Kate McKinnon, que vem fazendo papéis, cada vez mais frequentes no cinema desde que saiu do programa de TV “Saturday Night Live”, em 2022. A Barbie Esquisita então, diz à Barbie Estereotipada que só há uma solução para o problema dela: ir ao mundo real e conhecer a criança que brinca com ela. É claro que o Ken bronzeado, que quer ser mais que um amigo para Barbie, acaba indo com ela nessa jornada até o mundo fora de Barbieland.

A partir daí, o filme consegue abordar temas como patriarcado, machismo e diversos preconceitos, com uma enorme gama de piadas debochadas e contextos que, ao mesmo tempo, divertem e demonstram de forma, quase óbvia, o quanto estamos inseridos numa sociedade que ainda derrapa, e muito, em todas essas questões. Greta e Noah ainda incluem na história a própria empresa criadora da boneca, a Mattel. Com isso, um cenário metalinguístico é criado dentro da narrativa. 


O ator Will Ferrel interpreta o diretor da empresa, cujo ambiente de trabalho parece também estar inserido em um universo intermediário entre Barbieland e o mundo real. O fato da própria Mattel ser incluída no roteiro também auxilia no viés mercadológico, uma vez que o marketing de divulgação do filme já entra pra história como sendo um dos que mais impactaram a venda de produtos para empresas de diferentes ramos que se associaram a versão cinematográfica da boneca.

 


Algumas pessoas vêm considerando a produção extremamente feminista. E sim, como bem disse a Margot Robbie em uma entrevista: “se pensarmos no feminismo como um movimento que busca igualdade entre todos, independente do gênero. Mas, ao mesmo tempo, a proposta de Barbie não é de ser colocada em um rótulo ou, literalmente, numa caixa”. A esse respeito, vale citar uma cena, inclusive, que funciona como um gatilho contra o etarismo: Barbie está no mundo real e resolve sentar um pouco para se concentrar e pensar melhor sobre tudo que vem sentindo. Depois desse momento, que é consideravelmente emocionante, ela olha para o lado e vê uma senhora idosa sentada. Como no mundo dela ninguém envelhece, ela fica hipnotizada com aquela mulher. Elas se olham e Barbie diz: “Você é linda!”. A senhora responde dizendo que sabe disso. Detalhe, essa senhora é ninguém menos que a Bárbara Handler, filha da criadora da boneca, cujo nome foi inspirado nela.


Greta e Noah elaboraram um roteiro que utiliza os estereótipos e clichês da cultura pop contemporânea para, logo em seguida, desconstruí-los. Como, por exemplo, quando Ken volta do mundo real, antes da Barbie, com a compreensão de que em Barbieland os homens foram colocados de lado, como meras figuras coadjuvantes, mas que, no outro mundo, o real, são eles que estão no comando. Essa nova postura machista de Ken, modifica completamente a dinâmica comportamental das Barbies, que passam a tratar os homens com reverência, lhes dando cervejas nas mãos quando estes a ordenam. O choque dos dois mundos provoca transformações em ambos, e é justamente esse ressoar que provoca estranheza e desconforto, que surge a reflexão mais profunda sobre os comportamentos e dinâmicas sociais. Afinal, seja no mundo fictício, ou no mundo real, é preciso tomar consciência de que a verdadeira liberdade de escolha está na descoberta de que é possível ocupar espaços sem anularmos uns aos outros.


Ficha Técnica:


Filme: Barbie 

Diretora: Greta Gerwig

Roteiro: Greta Gerwig e Noah Baumbach

Elenco: Margot Robbie, Ryan Gosling, Simu Liu, Issa Rae, Kate McKinnon, Michal Cera, America Ferrera, Will Ferrel

Fotografia: Rodrigo Prieto

Empresas Produtoras: Mattel, LuckyChap Entertainment, Mattel Films, Heyday Films, NB/GG Pictures

País: EUA

Ano: 2023

Duração: 01h54

Comentários

Lidi disse…
Que massa esse seu olhar!
Precisamos muito pensar sobre os caminhos da humanidade e atuar de forma coerente com nosso ideal de mudança.