O diretor mineiro André Novais
Oliveira ficou conhecido, principalmente pelo seu curta-metragem “Quintal” e o
seu primeiro longa “Ela Volta na Quinta”, ambos de 2015, em que a própria
família dele é usada como os personagens das histórias. O seu estilo narrativo
preza sempre pela naturalidade das interpretações, já que o foco de suas
histórias é o cotidiano e as amenidades da vida. Não é à toa que os cineastas Charles
Burnett e Yasujiro Ozu são suas grandes referências.
“Temporada” é a sua produção mais
recente e ele diz que este é um filme sobre mudanças. No debate, após sessão no
Cinema Dragão do Mar, em Fortaleza/CE, realizado no dia 16/fevereiro, o diretor
conversou com o público, que trouxe reflexões bem interessantes sobre a
personagem Juliana, interpretada de maneira brilhante pela atriz Grace Passô. Grace recebeu, inclusive, o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Brasília, em 2018.
Essas mudanças que André se
refere estão não somente na história, mas também na decupagem da narrativa, que
vão desde a fotografia até os movimentos de câmera. Juliana nos é apresentada
como essa moça tímida, gordinha, negra e de cabelos longos e lisos,
provavelmente devido a um processo químico, tipo escova progressiva. Ela chega
para o seu primeiro dia de trabalho na cidade de Contagem/MG, para assumir o
cargo de agente pública em uma equipe de combate a endemias, como a dengue. A personagem
vai se revelando a medida dos dias que passam, até compreendermos que ela é de
outra cidade e que foi chamada após ter feito um concurso público para essa
vaga há 2 anos. Ela é casada e o marido virá depois.
Juliana então, vai tendo que se
ajustar a essa mudança na sua vida, não só de cidade, mas de casa, de novos amigos
e pelo fato de estar só nesse processo. Ela tem somente uma prima que vive na
cidade e que ajuda nesse seu recomeço de vida. O roteiro do filme, que também
foi escrito por André, é repleto de diálogos que são ao mesmo tempo simples e
profundos. Sem falar na importância de estimar pela genuinidade do sotaque
mineiro dos atores. Uma outra coisa que chama a atenção, é a forma como André
usa o recurso “fora do quadro” em alguns diálogos, como por exemplo, quando
Juliana está prestes a contar algo bem pessoal da sua vida de casada para sua
prima. O enquadramento fica somente na Juliana e não vemos a reação da prima em
um momento que tem uma carga emocional muito forte a respeito do que ela revela.
Apenas ouvimos a voz da prima. O uso de tal recurso, convoca o espectador para ser
incluído na narrativa, pois é preciso completar a imagem do quadro que está
oculto com a própria imaginação. No caso, a imagem da reação da prima.
O ponto de virada para a
personagem é quando ela descobre algo a respeito do marido. A partir daí vemos
a sua transformação, que é desde física até sua postura e comportamento.
Recentemente um fato ocorrido em
um supermercado no Rio de Janeiro provocou uma grande revolta e comoção. Pedro Henrique
Gonzaga, um jovem negro de 25 anos, foi morto após ser imobilizado e sufocado
pelo segurança do estabelecimento. Este terrível episódio apresenta também um
forte teor simbólico no que diz respeito ao sufocamento dos negros no nosso
país. Mesmo que o diretor afirme que este não é um filme de gênero, é
impossível passar despercebido ao fato de vermos uma história protagonizada por
uma personagem mulher, negra, que busca pura e simplesmente preencher sua vida
de significado para seguir adiante.
André finaliza o debate falando
um pouco do Festival de Cinema de Roterdã, na Holanda, onde há uma mostra
especial para o cinema negro brasileiro. Ele enfatiza dizendo que nessa mostra é
possível assistir filmes de temáticas variadas de diferentes realizadores
vindos de diversos estados brasileiros. Isso é realmente surpreendente, pois
diz muito sobre o quanto ainda os negros estão sendo sufocados, não somente na
realidade cotidiana, mas também no cinema que é produzido no Brasil.
FICHA
TÉCNICA:
Direção e Roteiro: André Novais Oliveira
Elenco: Grace Passô, Russo Apr, Rejane Faria, Hélio
Ricardo, Ju Abreu, Renato Novaes, Sinara Teles e Janderlane Souza
Produção: André Novais Oliveira, Gabriel Martins,
Maurilio Martins, Thiago Macêdo Correia
Fotografia: Wilssa Esser
Distribuição: Vitrine Filmes
País: Brasil
Ano: 2018
Duração: 113 min
Comentários