A corte de A FAVORITA provoca estranheza, risos e reflexão



Desconstrução e distopia social. Esta é uma proposta constante nos filmes do diretor grego Yorgos Lanthimos, que tem em seu currículo filmes como, “O Lagosta” (The Lobster, 2015) e “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (The Killing of a Sacred Deer, 2017). E não poderia ser diferente com sua última produção, que tem 10 indicações no Oscar 2019, incluindo de Melhor Filme.




Baseado em fatos reais datados do período histórico do reinado da Rainha Anne (1702 - 1714), que teve sua importância por ter sido responsável pela união da Escócia a Inglaterra, além da implementação do sistema bipartidário, existente até hoje no parlamento inglês.

O filme coloca em foco a história das “favoritas” da monarca, que eram a duquesa Marlborough (Rachel Weisz) e sua prima Abigail (Emma Stone). Segundo historiadores, Sarah Churchill recebeu o título de duquesa devido a proximidade com Anne (Olivia Colman), de quem era amiga desde a infância. Ela era encarregada de cuidar da propriedade, da vida pessoal e financeira da rainha. Ou seja, era uma mulher de extremo poder na corte real. Além disso, ela também exercia uma forte influência nas tomadas de decisões políticas.



A vida de Sarah muda por completo com a chegada de Abigail Masham, sua prima, cuja família sofreu um declínio social, devido a fatores que serão explicados no decorrer da narrativa. Inicialmente, Abigail é colocada para trabalhar junto a criadagem do palácio, mas, rapidamente ela sobe de posto, graças ao seu conhecimento de ervas que ajudam a aliviar as severas dores que a rainha sente em suas articulações por conta da doença da gota. Ela consegue ser promovida a dama de companhia de Sarah e, a partir daí se inicia uma disputa pelo afeto de Anne. Afeto esse que, segundo o filme, elas passam a estabelecer também na cama da rainha. Historicamente, não há nenhum dado que comprove se havia mesmo uma relação sexual entre elas, porém essa possibilidade não é descartada.


O interessante que a narrativa propõe é justamente apresentar a relação dessas três mulheres, bem como suas destrezas e habilidades para lidar em um universo de poder, que, geralmente é predominantemente masculino. Além disso, Lanthimos faz questão de tornar tudo bem grotesco, cínico e debochado. Em diversos momentos utiliza uma lente grande angular, que provoca distorção nas imagens. Os diálogos entre os personagens foram elaborados de maneira chula, direta e nada cortês, que contrasta com o luxo dos cenários e figurinos. Sem falar na maquiagem que era a moda no século XVIII, que contribui para deixar tudo meio bizarro e esdrúxulo, principalmente para os homens, que usavam estranhas perucas longas. 

E os homens são realmente os coadjuvantes na história, mesmo quando aparecem aqueles que tentam ser os articuladores políticos, como o personagem Harley (Nicholas Hoult). Com Sarah ele, simplesmente, não consegue sequer uma brecha de argumentação. E já com Abigail, ele acaba, por fim, sendo aliado dela devido sua proximidade com a rainha. E a própria Anne, não é assim tão manipulável, mesmo que aparente ser. É ela quem toma as decisões finais, por mais que suas “favoritas” lhe influenciem. Como, por exemplo, na cena do baile onde ela tem uma espécie de arroubo de lucidez e interrompe a festa para dizer que não irá aumentar os impostos sobre a população, discordando assim da opinião de Sarah.


Vale destacar a brilhante atuação de Olivia Colman, que levou o Globo de Ouro desse ano pelo papel da rainha Anne. A atriz disse, em uma entrevista, que simpatizava bastante com a personagem: “Ela foi uma mulher com um passado muito triste. Devia se sentir muito solitária”. Anne engravidou 17 vezes, perdeu todos seus filhos, seja porque nasceram natimortos ou porque não sobreviveram até a idade adulta. No filme, a representação de seus filhos está nos coelhos que ela cria em seu quarto. A escolha por tal animal não poderia ser mais metafórica e cruel, afinal, coelhos dão cria com extrema facilidade. Na cena final, as imagens que se sobrepõem são quase a de um quadro que simboliza essas emoções. Lanthimos cria um tom anticlímax capaz de transmitir uma forte sensação de perda, principalmente para aqueles que têm a ilusão de terem vencido.



FICHA TÉCNICA

Direção: Yorgos Lanthimos
Roteiro: Deborah Davis, Tony McNamara
Elenco: Olivia Colman, Rachel Weisz, Emma Stone, Nicholas Hoult
Fotografia: Robbie Ryan
Países: Irlanda, Reino Unido, EUA
Distribuição: Fox
Duração: 1h59min
Ano: 2018

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