MEU QUERIDO FILHO aborda a ilusão de perder alguém que nunca esteve presente


Para o segundo longa-metragem de sua carreira, o diretor tunisiano Mohamed Ben Attia, contou com a participação dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne na coprodução de seu filme “Meu Querido Filho” (Weldi, 2018). Vale lembrar que com seu primeiro longa, “A Amante” (Inhebek Hedi, 2016), o diretor foi premiado no Festival de Berlim, na categoria Melhor Filme de Estreia.

Nada mau para o curriculum de um cineasta que começou sua carreira aos quarenta e poucos anos. E apesar da pequena quantidade de produções, o diretor conseguiu chamar a atenção da crítica na “Quinzena dos Realizadores”, em Cannes, no ano passado. Para quem não conhece, esta é uma seção independente do Festival de Cannes e que acontece em paralelo ao festival oficial. O objetivo da Quinzena é trazer filmes que apresentem novas propostas temáticas e de linguagem. Foi criada após o movimento de “maio de 68”, promovido pelos cineastas Jean-Luc Godard, François Truffaut e Louis Malle. Na verdade, eles propuseram uma série de mudanças à organização do Festival, tais como, que as exibições fossem abertas ao público; eliminar a rigidez da exigência dos trajes de gala; entre outras coisas. Porém, não obtiveram sucesso. Resolveram então criar a sua própria mostra que acontece no mesmo período do festival principal. Eles chamaram de “antifestival”. Assim nasceu, a “Quinzena dos Realizadores”.

Nos últimos anos, os filmes selecionados para a “Quinzena dos Realizadores” se tornaram muito mais interessantes do que do festival oficial. Portanto, o filme de Mohamed se encaixa nessa categoria.

A história é baseada em relatos de vários pais que o diretor diz ter ouvido em um programa de rádio. Eles contavam como haviam perdido seus filhos para o Estado Islâmico. A Tunísia é um país localizado na África do Norte e 99% da sua população é muçulmana. Mohamed conta ainda que o que mais o interessou não foram os motivos que fizeram os filhos abandonarem seus lares, e sim o ponto de vista dos pais que ficaram. No caso do filme, o ponto de vista central é do pai, que é simplesmente apaixonado pelo seu filho.

O filme começa com Sami (Zakaria Ben Ayyed) passando mal no banheiro devido uma forte enxaqueca. Riadh (Mohamed Dhrif), seu pai está ao seu lado lhe ajudando. A mãe também está por perto, mas é o pai quem no dia seguinte o leva ao hospital para fazer exames. Sami é um jovem que está prestes a fazer vestibular e passa uma boa parte do tempo estudando. Pelo menos é nisso que o roteiro faz com que acreditemos, juntamente com os seus pais. Apesar do filho não ser muito expressivo, Riadh faz o possível para que Sami se sinta o mais confortável possível no seio familiar. Mesmo tendo uma vida financeira bem apertada, ele quer proporcionar o melhor para seu filho. Sua esposa Nazli (Mouna Mejri) trabalha como professora em uma outra cidade e ele está prestes a se aposentar do seu trabalho de condutor de empilhador. Chega até a pensar em vender o carro para ajudar na educação de Sami, imaginando que ele poderia estudar fora o país.



Até quase a metade do filme, a narrativa mostra o excesso de zelo e cuidado dessa relação de Riadh com o filho. Tanto, que em muitos momentos ele parece amar muito mais Sami do que Nazli. Isso fica claro em uma cena que vemos Riadh conversar com sua amiga de trabalho Sameh (Imen Cherif), que sempre lhe dá ótimos conselhos. Em uma dessas conversas, ela lhe diz que ele precisa não se preocupar tanto com o filho e dar mais atenção a sua mulher. Sugere que ele compre flores para ela, para que se sinta amada. Um tempo depois, quando ele vai buscar a esposa na estação de trem, ao chegar em casa, ela encontra uma rosa no banco de trás e pergunta do que se trata. Ele responde de maneira fria que comprou porque um cara insistiu para que comprasse dele aquela rosa. E logo na cena seguinte, Riadh vai até o quarto do filho e lhe entrega de presente uma blusa nova.

O roteiro dá algumas pistas muito sutis a respeito de Sami. Ele pede que o pai o leve a um psiquiatra e conta que o médico lhe disse que ele sofre de depressão. Coisa que Riadh irá descobrir ser mentira posteriormente. E também quando vemos Sami correndo pelas ruas até chegar à porta da escola onde estuda. Ele entra e depois sai junto com os outros estudantes, fingindo que estava dentro da escola. Sai caminhando e vai ao encontro do pai que o aguarda dentro do carro para levá-lo para casa.



São todos esses pequenos e sutis detalhes que passam despercebidos, mas que rapidamente voltam a memória quando Sami desaparece deixando apenas um bilhete, dizendo que foi para a Síria. A partir daí, vemos a queda e destruição de Riadh e Nazli, não só como família, mas como um casal. A surpresa e decepção ao constatar que não sabiam nada a respeito de quem realmente seu filho era. Ir para a Síria, significa que Sami se juntou a algum grupo terrorista islâmico. Neste momento, o roteiro aborda essa questão com muita delicadeza, afinal a guerra civil na Síria, que já dura sete anos, ainda está acontecendo.

Inconformado com a decisão do filho, Riadh resolve ir buscá-lo. E é nessa busca que o filme traz uma reflexão a respeito da diferença que existe entre o que os pais querem para seus filhos e o que estes querem para si. Durante um diálogo com o dono da pensão que está hospedado na cidade de Carquemis, que faz fronteira com a Síria, Riadh desabafa dizendo que seu filho não é como os jihadistas e tudo que deseja para Sami é que ele seja feliz. O dono da pensão responde dizendo que todos os pais dizem isso, mas que na verdade é só a nossa própria felicidade que importa. Como diz o músico Criolo em um de suas canções: “O que você quer nem sempre condiz com que o outro sente”.



FICHA TÉCNICA



Direção e Roteiro: Mohamed Ben Attia

Elenco: Mohamed Dhrif, Mouna Mejri, Zakaria Ben Ayyed, Imen Cherif

Produção: Dora Bouchoucha Fourati / Coprodução: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne

Nadim Cheikhrouha, Olivier Père.

País: Tunísia

Distribuição: Pandora

Duração: 104min

Ano 2018

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