Assim como o Brasil, o Chile
também viveu um período de Ditadura de Militar. O golpe de Estado foi liderado
por General Augusto Pinochet que no ano de 1973 depôs o então presidente eleito
Salvador Allende. A ditadura chilena durou até 1990 e foi marcada como sendo um
período de muita censura e violência. Registra-se algo em torno de 3 mil mortes
e 40 mil pessoas torturadas.
Em 2001 a cineasta chilena
Marcela Said dirigiu o documentário intitulado “I Love Pinochet”, que mostra a
voz da direita do país, cujo pensamento é a favor do regime imposto pelo
ditador Pinochet. Na sua mais recente produção, “Cachorros” (Los Perros), Marcela mostra novamente o
seu interesse em analisar o ideal conservador e autoritário existente na sociedade
chilena, porém aqui na ficção ela traz essa abordagem de uma maneira imensamente
indireta.
Marina (Antonia Zegers) é filha
de um milionário empresário (Alejandro Sieveking) e vive uma vida que parece ser
completamente indiferente ao mundo que habita. Resolve fazer aulas de equitação
com uma amiga, cujo professor é interpretado pelo ator Alfredo Castro,
conhecido por filmes como “O Clube” (El
Club, 2015) e o bizarramente fantástico “Tony Manero” (idem, 2008), de Pablo Larrain. Um dia, durante a aula, Marina é
surpreendida ao saber que seu professor está sendo acusado num processo que
envolve questões de direitos humanos ocorridos na época da ditadura. Tal fato
faz com que ela sinta uma hipnótica obsessão para saber exatamente o que ele
fez. Ao ponto de seduzir o policial que investiga o caso.
Marina é casada com Pedro,
interpretado por Rafael Spregelburd, de “O Homem ao Lado” (El Hombre de al Lado, 2011). Ele é argentino e parte de seus
familiares estão presos por crimes cometidos também na época do regime
ditatorial ocorrido em seu país. Marina conta isso de uma maneira nada
delicada, uma vez que a relação do casal ocorre sempre de maneira hostil.
Aliás, essa parece ser uma característica dos homens que a cercam: O pai, o
marido, o professor. Todos a tratam como se ela fosse de menor importância. Por
sua vez, Marina se mostra cínica e arrogante, o que podemos considerar que esse
seu comportamento funciona justamente como um reflexo do meio elitista em que
vive.
A narrativa do filme cria uma
expectativa como se algo surpreendentemente dramático estivesse por vir. E
realmente algo se revela, mas o drama/suspense do roteiro perde o ritmo e
ficamos com uma sensação de um esforço em vão. Talvez, porque a personagem demonstre
certa apatia e isenção perante as informações que lhe chegam. Seus
questionamentos parecem não conseguir alcançar seus objetivos, se é que ela
assim os possui.
A referência ao nome do filme
está em um quadro que Marina ganha do marido. Uma pintura do artista de
influência barroca, Guillermo Lorca, cuja temática constante em suas obras
sempre são crianças e cachorros. “Laura y Los Perros” é o quadro que foi
escolhido para ser o cartaz do filme e é o mesmo que a protagonista ganha. Uma
criança com um olhar angelical, de pé e no topo de uma enorme colcha vermelha,
usando uma camisola e cercada por cachorros. É impossível não associar o
simbolismo do quadro com o filme. A menina de camisola com um olhar ao mesmo
tempo inocente e sedutor, que está cercada de homens violentos, representados
pelos cachorros. O que traduz bem a personalidade da personagem que usa da sua
sexualidade para se relacionar com os homens, e ao mesmo tempo se vitimiza na
própria ingenuidade (ou condescendência) para não enxergar aquilo que está
diante de seus olhos. A cena final do filme demonstra que mesmo que ela
continue vivendo nesse ambiente vazio, ignóbil e misógino da elite chilena, a
violência sempre estará presente em sua vida e isso nunca poderá ser ignorado.
FICHA TÉCNICA
Direção e Roteiro: Marcela Said
Elenco: Antonia Zegers, Alfredo Castro, Alejandro
Sieveking, Rafael Spregelburd
Produção: Cinema Defacto e Jirafa films
Co-produção: Rei Cine, Terratreme Filmes, Augenschein
Filmproduktion
Fotografia: George Lechaptois
Distribuição: Imovision
Duração: 96 min
País: Chile
Ano: 2017
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