Com diálogos que se
bastam e uma linguagem impecável, o recente filme do diretor sul coreano, Hong
Sang-Soo, enaltece e reverencia o exercício do olhar
O diretor sul coreano Hong
Sang-Soo é uma figura constante em festivais de cinema pelo mundo. Tal fato se
deve não somente pela quantidade de filmes que ele produz, mas pela qualidade impecavelmente
elaborada da construção narrativa de suas obras. Com o “O Dia Depois” (Geu-hu, 2017) não poderia ser diferente.
O filme concorreu na categoria principal do Festival de Cannes desse ano.
A história, narrada em preto e
branco, gira em torno do personagem Bongwan, um crítico literário dono de uma
editora, interpretado por Kwon Haehyo, ator que já participou de outros filmes
do diretor, como “A Visitante Francesa” (Da-reun
na-ra-e-seo, 2012) e “Na Praia à Noite Sozinha” (Bamui haebyun-eoseo honja, 2017). Na primeira cena do filme, vemos Bongwan
ser confrontado pela esposa (Yunhee Cho) que desconfia dele estar tendo um caso
com outra mulher. Trata-se de uma cena simples. Os dois estão sentados à mesa.
A câmera enquadra o casal de perfil, sendo este aliás, o enquadramento mais
utilizado no filme, uma vez que quase todos os diálogos acontecem com os
personagens sentados à mesa.
Após o diálogo com a esposa,
Bongwan sai de casa. A partir deste momento a construção narrativa é
intercalada por inúmeras outras cenas que indicam já ter acontecido em um tempo
passado. Logo ao sair de casa, vemos o mesmo personagem usando outra roupa,
acompanhado de uma mulher (Ki Joabang). Ele está bêbado e ela está o
auxiliando. Percebemos que é ela com quem ele tem o caso extraconjugal e que os
dois trabalham juntos. Posteriormente, volta-se para a cena dele caminhando. A
medida que ele passa por diferentes lugares no seu trajeto, outras mudanças de
tempo ocorrem, mostrando novamente o casal em outro momento. Aos poucos vamos
entrando no ritmo muito bem cadenciado do filme, cuja montagem continua ocorrendo
recheada de elipses (passagem de tempo narrativo) que
acontecem através de raccords (continuidade temporária ou espacial entre
dois planos consecutivos) colocados de uma maneira que chama a atenção pela
tamanha perfeição. E, ao contrário do que se poderia pensar, o uso de tal
recurso não é confusa. Pelo contrário, ele acaba por enaltecer o exercício do
olhar para o espectador.
Kim Min-Hee, que é a atriz
preferida e atual namorada do diretor, entra na narrativa para trabalhar
substituindo a funcionária anterior, que era justamente a amante do
protagonista. Areum (Kim Min-Hee) chega para o seu primeiro dia de trabalho ao
lado de Bongwan e, sem perceber, acaba se envolvendo numa história que já existia.
Bongwan a leva para almoçar e, novamente, testemunhamos uma longa cena de
diálogo. É através dos diálogos que Sang-Soo sempre apresenta seus personagens.
Assuntos existenciais e religiosos são trazidos à tona durante um simples
almoço num restaurante que parece estar sendo ocupado somente pelos dois. Aliás,
a única cena em que vemos figurantes é durante uma passagem rápida dentro do
metrô. E mesmo assim, estes aparecem somente no reflexo das janelas. Até mesmo
quando Areum está dentro de um táxi, o motorista conversa com ela, mas só
ouvimos sua voz. A imagem dele não aparece. É como se só existissem essas
quatro pessoas no mundo que elas habitam.
Como o título sugere, tudo
acontece durante um dia, sejam as lembranças que este dia remetam ao
protagonista, ou aquilo que aconteceu e nos é mostrado. De uma forma ou de
outra, a personalidade de Bongwan é exposta para que vejamos, com um certo
humor às vezes, o quanto ele é desprovido de iniciativa para mudar a sua
própria vida. A linguagem utilizada pelo diretor em relação a montagem, a
fotografia em preto e branco, a ausência quase completa de figurantes, talvez
seja uma forma de enfatizar justamente a maneira como o protagonista enxerga o
mundo. A vaidade de sua existência faz com que ele transite pelas emoções daqueles
com quem se relaciona, no caso, as mulheres, banalizando-as. Aparentemente ele
parece se importar, mas vitimar-se acaba sendo sua escolha mais oportuna quando
as coisas se complicam. Para depois, novamente, deixar aflorar sua presunção e
arrogância diante dessas mesmas mulheres, como fica demonstrado na cena final
do filme.
FICHA
TÉCNICA:
Direção e Roteiro: Hong Sang-Soo
Elenco:
Kwon Hae-hyo, Yunhee Cho, Ki Joabang, Kim Min-Hee
Fotografia:
Kim Hyung-ku
Distribuição: Pandora Filmes
Duração: 1h32min
Ano: 2017
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