O Líbano é um país que faz
divisão com a Síria ao norte e ao leste, e com Israel ao sul. É banhado pelo
Mar Mediterrâneo e apresenta uma população mista, sendo considerado, inclusive,
o país com a maior diversidade religiosa do Oriente Médio.
É dentro desse clima que o
diretor libanês Ziad Doueiri ambienta a história de “O Insulto” (L'insulte,
2017), que venceu o prêmio de Melhor Filme no Festival de Veneza e é um dos
indicados na categoria de Filme Estrangeiro do Oscar 2018. Doueiri já trabalhou
com Quentin Tarantino em diversos filmes como primeiro assistente de câmera. E
isso, talvez, o tenha influenciado a criar um ritmo narrativo extremamente
intrigante, tanto no roteiro quanto na montagem.
Toni (Adel Karam) é dono de uma
oficina mecânica no mesmo bairro onde mora com sua esposa que está grávida. Na
sua rua a prefeitura está fazendo uma obra de reparos e restaurações nos
prédios. Yasser (Kamel El Basha) é o mestre de obra responsável. Enquanto está falando
com seus funcionários, ele leva uma rajada de água na cabeça. Ao olhar para
cima vê Toni lavando a varanda e percebe que a calha está virada para rua. Yasser
vai até o seu apartamento para avisá-lo que precisa regularizar a calha, pois
está jogando água nas pessoas que estão na rua. Toni responde rispidamente dizendo
que ninguém irá entrar em sua casa e fecha a porta na cara de Yasser. Na cena
seguinte vemos Yasser cortando a calha e os seus funcionários consertando-a.
Toni nota o que está acontecendo e, num ato de fúria, pega uma marreta e quebra
a calha que acabara de ser colocada. Yasser o chama de “babaca de merda”.
Pronto, a história poderia terminar aí, mas é justamente nesse ponto que todo o
conflito começa.
A cadência narrativa do roteiro
vai crescendo à medida que a tensão entre os dois vai aumentando. Aos poucos,
os personagens vão sendo aprofundados, bem como o passado de suas culturas e
religiões. Toni é um libanês cristão convicto de suas aspirações políticas, que
ficam bem claras desde o início do filme, em que ele participa de um comício do
Partido Cristão. Na sua oficina, ele deixa a TV passando uma fita dos discursos
de Bashir Gemayel, que foi um dos mais marcantes líderes políticos da história
do Líbano. Bashir foi eleito presidente do país em 1982 e foi assassinado. Ele era
muito popular entre os cristãos libaneses. Em seus discursos exaltava o patriotismo
e lutava contra a ocupação palestina e síria no país. Já Yasser é palestino e
vive no bairro dos refugiados.
Tudo o que Toni deseja é que
Yasser lhe peça desculpas por insultá-lo, porém este não sente que fez algo de
tão grave, afinal só estava consertando a calha da sua varanda. A situação se
complica ainda mais quando Yasser resolve finalmente pedir desculpas. Toni lhe
diz palavras muito pesadas, ao ponto de fazer Yasser agredi-lo e lhe quebrar
duas costelas. A coisa toda acaba indo parar nos tribunais.
É interessante observar como a
narrativa vai acrescentando cada vez mais personagens de uma forma que
rapidamente são absorvidos pela trama. E o roteiro ainda consegue incluir
alguns elementos surpresas durante o percurso, quando por exemplo, é feita uma
revelação em relação aos advogados que representam os dois protagonistas.
As elucubrações durante as
audiências trazem à tona uma boa parte do contexto histórico e político ocorrido
no Líbano. Isso acaba gerando uma comoção ainda maior, principalmente quando a
mídia resolve reportar sobre o que está acontecendo.
Sem dúvidas, Doueiri teve a
habilidade e ousadia de fazer um filme que conseguisse abranger a complexidade dos
sentimentos e ressentimentos de um país que vive no presente as marcas do seu
passado.
Agradecimento Especial
à Marlene Borjaili por me ajudar a entender um pouco melhor o Líbano
FICHA
TÉCNICA
Direção: Ziad Doueiri
Roteiro: Ziad
Doueiri, Joelle Touma
Produção: Rachid Bouchareb, Jean Bréhat
Fotografia: Tommaso Fiorilli
País: Líbano
Ano: 2017
Distribuidora: Imovision
Duração: 112 minutos
Comentários