"Capitão Fantástico" é a utopia do sonho hippie dos anos 2000

O ator Matt Ross, que fez participações coadjuvantes em filmes como “Psicopata Americano” e “O Aviador”, resolveu se aventurar também na direção. “Capitão Fantástico” (Captain Fantastic, 2016) é sua segunda experiência como diretor, e com essa produção, ele conseguiu entrar na mostra Un Certain Regard, do Festival de Cannes.



O filme é estrelado por Vigo Mortensen, que vive Ben, um personagem que é pai de seis filhos. A família vive isolada no meio do mato, longe das cidades urbanas e da civilização. E é ele, o pai e capitão da família, quem orienta e educa os filhos. E essa educação é de altíssimo nível intelectual. As crianças estudam livros de física quântica, filosofia e sociologia. Além disso, eles também aprendem técnicas de sobrevivência na selva, fazem exercícios físicos diários, tocam instrumentos musicais, praticam meditação, yoga e consomem alimentos providos direto da natureza.

Tudo vai bem com a família, até o momento que uma das crianças pergunta ao pai sobre a mãe deles. Descobrimos que ela está internada em um hospital há três meses por alguma enfermidade. A partir daí, o desenrolar da história faz com que eles precisem abandonar o refúgio hermético que vivem para encarar o mundo que existe fora do “paraíso” criado pelo seu patriarca. Durante um jantar com a irmã (Kathryn Hahn) de Ben, seus filhos demonstram total desconhecimento do mundo social urbano dos dias de hoje. Quando seus primos se referem a marca Nike, eles pensam se tratar da deusa grega da vitória, e não a uma marca de tênis. E quando seu cunhado (Steve Zahn) oferece vinho, Ben repassa para seus filhos, dizendo que não faz mal pois trata-se de uma bebida digestivo e não deve ser considerada uma droga, como o crack, por exemplo. Sua filha menor pergunta o que é crack, e ele responde dizendo exatamente o que é. Sua irmã fica em estado de choque completo ao ver tamanha liberdade com que Ben fala e trata seus filhos. “Eu não minto para os meus filhos”, ele retruca. E realmente tudo que as crianças perguntam, ele responde da maneira mais honesta possível. Até mesmo quando essa mesma filha menor pergunta sobre sexo e estupro. 


 
O modelo educacional que ele oferece não é nada convencional, ainda mais dentro da atual sociedade consumista, capitalista, (ainda) conservadora que vivemos nos dias de hoje. E nisso o filme funciona muito bem, ao mostrar o quanto ainda é ilusório o “avanço” do sistema educacional escolar e familiar. Outros filmes já abordaram tais questões, principalmente, como uma crítica ao modelo american way of life, que levou e leva gerações de crianças e adolescentes a uma série de problemas psicológicos ao enaltecerem a filosofia do winner (vencedor) versus loser (perdedor): “Bem-Vindo à Casa de Bonecas”, “Pequena Miss Sunshine”, “Beleza Americana”, entre outros. Como se todos tivessem que ser iguais e alcançarem um padrão de qualidade e excelência para serem pessoas de “sucesso”. E muitos pais ao se depararem com o fato de que tais objetivos nem sempre são possíveis de serem atingidos, se desesperam e sofrem por seus filhos não se enquadrarem em moldes e rótulos pré-estabelecidos. E é justamente disso que o Ben quer proteger sua prole, porém, como diz o poeta inglês John Donne: “nenhum homem é uma ilha”, portanto, Ben não pode proteger seus filhos para sempre. E em algum momento eles irão sentir necessidade de experimentar o mundo, tal como é e aí está, por mais que não gostemos dele. Além do fato que, o aprendizado só é completo e pleno quando o vivenciamos e saímos do mundo das teorias.

A proposta do “Capitão Fantástico” é extremamente louvável, mas talvez o filme exagere um pouco no excesso de citações literárias e filosóficas, como, por exemplo uma celebração inventada pelo pai chamada de “Dia de Noam Chomsky”, que é um teórico, linguista e filósofo americano. Muita coisa do filme não precisava estar explícito de forma tão literal, porque dentro de uma narrativa cinematográfica acaba soando muito verborrágica e desnecessária. Afinal, o próprio conceito da família viver isolada no mato, já expressa um conceito por si só. Filmes como “Indomável Sonhadora” (Beats of the Southern Wild, 2013) e “Na Natureza Selvagem” (Into the Wild, 2008), por exemplo, possuem um profundo e brilhante discurso a respeito da mesma temática, sem precisarem fazer citações filosóficas e literárias. Mas, mesmo com esses excessos, o filme não deixa a desejar e se faz pertinente para uma reflexão dos dias de hoje e os dias que virão.

FICHA TÉCNICA

Direção e roteiro: Matt Ross
Elenco: Viggo Mortensen, Frank Langella, George Mackay
Fotografia: Stéphane Fontaine
Produção: Lynette Howell Taylor, Monica Levinson, Jamie Patricof
Duração: 118 minutos 
País: Estados Unidos
Distribuição: Universal

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