A diretora francesa Catherine Corsini, de filmes como “Partir” (idem, 2009) e “3 Mundos” (Trois mondes, 2012)
resolveu contar uma história de amor entre duas mulheres, usando como
pano de fundo o movimento feminista francês da década de 70. Inclusive o
nome das personagens, Delphine (Izïa Higelin) e Carole (Cécile De
France), foram escolhidos em homenagem a duas importantes figuras do
movimento feminista da época: Delphine Seyrig e Carole Roussopoulus
foram as primeiras cinegrafistas a filmar as lutas das mulheres, como a
primeira marcha homossexual da França.
É dentro
desse contexto político que as protagonistas se conhecem. Delphine é
filha de fazendeiros, lésbica, porém não assumida perante a família, e
vive no interior da França. Carole mora em um apartamento com seu
namorado, é engajada politicamente no movimento feminista e vive em
Paris. Após uma desilusão amorosa, Delphine decide se mudar para Paris e
lá conhece Carole, que imediatamente a convida para fazer parte do
Grupo das Mulheres. Nas reuniões, que são compostas somente por
mulheres, elas questionam tudo que a sociedade faz com que elas se
sintam privadas de fazer pelo fato serem mulheres. Porém, não ficam
somente no discurso, elas partem para ação. Saem pelas ruas passando a
mão na bunda dos homens, fazem passeatas, resgatam um amigo gay que foi
colocado em um manicômio. Fazem o barulho necessário para que consigam
expressar seus direitos.
Tudo vai
indo bem entre elas, até uma noite que Delphine tenta beijar Carole.
Inicialmente, Carole se surpreende com a nova amiga, pois até então
desconhecia que ela era lésbica. Porém, Delphine fica bastante chateada.
Carole então, decide conversar com ela para que possam se entender e
ficar tudo bem. Mais uma vez, Delphine a beija e, dessa vez, Carole
corresponde e as duas acabam se envolvendo completamente. Vale ressaltar
que as atrizes estão em total sintonia nas cenas românticas, o que traz
uma naturalidade e leveza admiráveis. A atuação de Izïa Higelin
(Delphine) lembra muito o estilo de Adèle Exarchopoulos em “Azul é a Cor
Mais Quente” (La Vie D’Adèle, 2013).
A partir
do envolvimento das duas personagens, o roteiro, que também é escrito
por Corsini, consegue equilibrar muito bem entre o contexto político e
íntimo de suas protagonistas, até o momento que devido uma questão
familiar, Delphine precisa retornar à fazenda dos seus pais. A relação
das duas se complica e se torna mais complexa, não só porque Delphine
não se assume perante a família e os amigos, como pela desproporção
cultural entre o meio rural e urbano. Em uma determinada cena, quando as
duas viajam para o sul da França, Delphine diz para Carole que percebe a
diferença entre a paisagem dessa região com a da fazenda dos seus pais.
Ela diz que ali o chão é mais firme, como se impulsionasse os pés
quando se pisa. Já na sua casa, na fazenda, a sensação que se tem é que o
chão é alagado, mesmo no verão, os pés afundam, como se a terra fosse
te engolir. E essa alegoria da fala de Delphine se mostra verdadeira na
parte final do filme, pois mesmo vivenciando um amor de uma maneira tão
livre, ela ainda se sente presa e engolida pela dificuldade de sua
autoafirmação completa.
Corsini
consegue fazer um filme leve, despretensioso, mas que diz muito a que
veio, principalmente para o momento atual que estamos vivendo, com
notícias de violências físicas, emocionais e arrogantes/ignorantes
preconceitos contra as mulheres. Nesse sentido, o filme funciona com um
registro histórico em homenagem a luta engajada pelos movimentos
feministas do mundo todo. Como a própria diretora disse em uma
entrevista: “muitas das conquistas das quais eu desfruto hoje, nós devemos a essas mulheres que lutaram por nós”.
E mesmo depois de quatro décadas, muito ainda precisa ser feito para
que essas conquistas sejam mantidas e outras tantas que precisam ser
legitimadas.
FICHA TÉCNICA
Diretora: Catherine Corsini
Roteiro: Catherine Corsini e Laurette Polmanss
Elenco: Cécile De France, Izïa Higelin, Noémie Lvovsky
Produção: Serge Hayat, Elisabeth Perez, Patrick Quinet
Fotografia: Jeanne Lapoirie
País: França
Ano: 2015
Duração: 1h45min
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