“O Monstro de Mil Cabeças” revela um sistema de saúde apático, cruel e burocrático

O drama mexicano “O Monstro de Mil Cabeças” (Un monstruo de mil cabezas, 2015), foi o filme de abertura do Festival de Veneza, em 2015. Baseado no livro homônimo de Laura Santullo, que também é a roteirista do filme, a trama denuncia os bastidores de um sistema de saúde mexicano que tende a menosprezar seus pacientes.

 
Tudo começa com a personagem Sonia Bonet (Jana Raluy) acudindo seu marido que está doente e acorda de madrugada com fortes dores. Desde o início percebemos que o diretor Rodrigo Plá, optou por utilizar uma câmera parada e enquadramentos que só mostram, na maioria das vezes, partes dos acontecimentos em cena. Tal recurso pode ser interpretado à medida que vamos compreendendo a dimensão que a narrativa aborda. 

Na cena seguinte vemos Sonia dentro de um prédio, acompanhada do seu filho adolescente, solicitando atendimento com o médico-coordenador do caso do seu marido. Ela está com vários exames e papéis na mão. Uma atendente sai e outra entra e ela se aproxima e diz que está aguardando há meia hora pelo médico e que a atendente que saiu a pediu que esperasse. Sonia enfatiza dizendo que é urgente. A atendente responde dizendo que é para ela continuar aguardando. Novamente ela se senta. Depois de um tempo retorna à atendente dizendo que já está esperando há mais de 1 hora. A atendente pergunta quem é o médico e se ela tem hora marcada com ele. Sonia responde que não, mas que a atendente anterior havia lhe informado que ele a receberia. Reforça dizendo que ele é o médico-coordenador do caso do seu marido e que precisa vê-lo com urgência, pois seu marido piorou. Finalmente a atendente liga para o consultório do médico e informa a Sonia que o médico não está no consultório. Obviamente ela fica bastante chateada e pergunta se pode falar com o responsável, a atendente responde que ela pode registrar uma queixa e lhe entrega um papel, dizendo que todos já foram embora e que hoje é sexta-feira. Sonia pega o papel e novamente se senta. Neste momento, percebemos que o filme está sendo contado em flashback, pois entra uma narração em off sob a imagem da atendente perguntando se ela sabe por que foi chamada como testemunha. Ela responde que sim, que foi devido a senhora Sra. Bonet e relata o acontecido à juíza. O relato da atendente prossegue em off e continua até o momento que o médico aparece e ela o informa que há uma pessoa o aguardando por horas. O médico pergunta quem é, depois diz que não a conhece e pede para dizer que ele não está. Porém, Sonia percebe o que se passa e resolve ir atrás do médico.

 
O recurso da narração em off percorre todo o filme, à medida que novos personagens vão se adentrando a narrativa, e vamos percebendo que eles são testemunhas prestando depoimento em uma audiência em que a Sonia Bonet está como ré. Tal recurso funciona muito bem para nos envolver e aumentar a tensão dramática do filme. A câmera parada e os enquadramentos também contribuem para simbolizar um sistema de saúde burocrático, cruel e apático em relação aos seus clientes/pacientes. Assim, como os médicos e os diretores desse sistema, o uso da câmera estática e os enquadramentos representam justamente essa apatia e indiferença a tudo que se passa em cena. 

O enfrentamento da personagem proposto no filme é composto de coragem e de um desejo suprimido de muitas pessoas que também gostariam de serem ouvidas, vistas e atendidas naquilo que lhes é de direito. Sonia chega até onde consegue ir para alcançar seu objetivo, porém, como o título sugere, ela enfrenta um monstro de mil cabeças que é muito difícil de ser vencido. E a consequência de seus atos lhe custa caro, pois é preciso pagar com a vida e/ou a privação dela. Porém, Sonia é firme e incansável, pois mesmo depois de ter sido “derrotada”, sua fala final para seu filho mostra que ela sabe exatamente o que é preciso enfrentar para lidar com as mil cabeças de um sistema voraz e monstruoso.

FICHA TÉCNICA

Direção: Rodrigo Plá
Roteiro: Laura Santullo
Elenco: Jana Raluy, Sebastián Aguirre Boëda, Hugo Albores
Distribuição: Alpha Filmes/ Pandora
País: México, França
Ano de produção: 2015
Duração: 74 minutos

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