O cineasta gaúcho Cristiano Burlan ganhou notoriedade quando conquistou os prêmios do júri e da crítica no festival É Tudo Verdade,
com o filme “Mataram meu irmão” (2013). “Em Busca de Borges” é a mais
recente produção do cineasta e o filme foi escolhido como um dos
destaques da 6ª edição do Panorama do Cinema Suíço Contemporâneo.
Falar da
trajetória fílmica de Burlan se torna quase que simbiótica com sua
própria trajetória de vida. Isso porque o diretor já teve um irmão
assassinado, outro preso e a mãe também assassinada. Em uma entrevista
dada a Jean-Claude Bernardet, em 2014, ele afirma estar em crise com o
cinema devido a essa relação pessoal com seus filmes. “Será
que é possível realizar alguma coisa onde você não se coloca na
primeira pessoa, será que é possível fazer cinema se sua câmera não for
uma via de mão dupla? É possível filmar um rosto se ele não te comove?”,
indaga Burlan durante a entrevista, que no momento está em fase de
pré-produção de um filme sobre o assassinato da mãe. “Elegia de um
Crime” será a parte final da sua “Trilogia do Luto”. No meio disso tudo,
o cineasta resolve abordar o escritor argentino Jorge Luís Borges, que
parece ser um adendo auxiliador dentro desse processo de reflexão sobre a
vida e sobre fazer cinema.
A
narrativa escolhida por Burlan é livre, onde a ficção e o documentário
se misturam. Sem ensaios prévios, o diretor opta por um ritmo de
filmagem onde um protagonista norteia os caminhos percorridos pelo autor
argentino. Caminhos esses que deliberam a respeito dos labirintos, dos
espelhos e o infinito existente dentro da complexidade humana e do
mundo, considerando que essas temáticas são uma constante presente na
obra literária do escritor.
A
produção se passa entre as cidades de São Paulo, Buenos Aires, e
Genebra. E Henrique, o protagonista, e também co-roteirista, dialoga com
diferentes pessoas, buscando refletir e aprofundar a atmosfera
literária criada pelo autor. Como o próprio Burlan diz, o filme não tem a
pretensão de explicar os escritos de Borges, eles são apenas os
disparadores e não a matéria principal do contexto fílmico. O diretor
ainda confessa que o percurso foi mais significativo do que a chegada. E
ei de concordar com essa conclusão, pois o roteiro poderia ter sido
desenvolvido de uma forma mais focada dentro de um objetivo artístico.
No entanto, se perde um pouco dentro do próprio universo criado.
Diferente, por exemplo, do deslumbrante Coração de Cachorro (Heart of a Dog, 2015),
da multiartista Laurie Anderson. Cito este filme, pois se assemelha com
o de Burlan no sentido de intencionar uma experiência cinematográfica
emocional e reflexiva a respeito da vida. E o objetivo traçado por
Laurie é esplendorosamente alcançado, já o filme do Burlan se dispersa
no percurso escolhido. Porém, não se pode negar a coragem de um cineasta
brasileiro em mergulhar não só na metafísica literária de Borges, como
de propor uma transcendência de gêneros cinematográficos.
Afinal, como é dito por um dos personagens, em um diálogo via Skype com Henrique: “mais
do que a questão do labirinto e do espelho, Borges pensava o texto como
uma modalidade de voz, uma voz que é menos do que se diz e mais o que
se provoca”. E podemos pensar
que o filme do Burlan é justamente isso, uma voz imagética e
provocativa que convida os espectadores a experienciarem o ato de
refletirem não só diante do que se vê na tela, mas também das emoções
que ela incita.
FICHA TÉCNICA
Direção: Cristiano Burlan
Produção: Célia Gambini
Roteiro: Cristiano Burlan e Henrique Zanoni
Fotografia: Cristiano Burlan
Montagem: Renato Maia
Co-Produção: C-side
País: Brasil e Suíça
Duração: 85 min
Ano: 2016
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