Depois de Lúcia


Esse é o segundo longa do diretor mexicano Michel Franco, que levou o prêmio Un Certain Regard (Um Certo Olhar) no Festival de Cannes de 2012, prêmio este que é voltado para diretores estreantes. Podemos dizer que o título do prêmio realmente faz jus a produção. Isso porque a força do filme está justamente no exercício do olhar, tanto da câmera quanto de seus espectadores. Franco faz uso de planos quase sempre mais abertos e longos, além de uma insistente câmera estática. O close, praticamente, não é utilizado.

O roteiro, que também é assinado pelo diretor, traz uma narrativa linear e que vai lentamente revelando a história. O filme começa com um curioso plano sequência em que vemos de dentro de um carro um homem dialogar com outro sobre os reparos feitos no veículo.

Em seguida, esse homem entra no carro e saimos juntamente com ele, que vai dirigindo até um certo ponto. Depois ele simplesmente para no meio do trânsito, sai do carro e vai embora andando. A curiosidade deste longo plano de abertura está no fato de que a câmera permanece estática. O nosso ponto de vista fica sendo sempre o mesmo em relação àquilo que estamos vendo. E é essa a linguagem que irá permear todo o filme, de uma forma que o seu ritmo vai sendo construído dentro de si próprio.

Ao lermos a sinopse da história, sabemos que a temática tratada é sobre bullying na escola. Um pai e sua filha, Alejandra, mudam de cidade, e a menina entra numa nova escola. Ela é chamada para uma festa na casa dos novos amigos. Acaba bebendo muito e fazendo sexo com um dos meninos, que filma a cena dos dois e coloca na internet no dia seguinte. A partir daí, ela começa a sofrer inúmeros maus tratos, tanto verbais quanto físicos. Mas, até chegarmos nesse ponto, o diretor prefere primeiro nos contextualizar. Isso é feito de maneira extremamente sutil, porém não incompreensível. Através de algumas curtas cenas, como por exemplo, a conversa do pai com uma pessoa da seguradora, descobrimos que sua esposa faleceu num acidente de carro em que todos estavam presentes no veículo. Isso nos leva a entender os motivos pelos quais levaram o pai e a filha se mudarem de cidade, e, principalmente, porque Alejandra suporta calada todos os abusos que sofre, como se ela estivesse num processo de autopunição por se sentir culpada pela morte da mãe.

O bullying já foi tratato em outras produções cinematográficas, mas ainda não havia sido mostrado de uma maneira tão crua como nos é apresentado. E por ser cru, incomoda e é mais difícil de ser digerido, contudo, no final do filme, percebemos que um assunto como esse realmente precisava passar por uma certa crueza e seriedade. O olhar distante da câmera se justifica completamente também quando concluimos quem é a Lúcia do título. É como se a distância da câmera representasse a ausência da mãe e a apatia que o luto provoca no pai e na filha. Quando retomamos ao título do filme, temos a sensação de que “Depois de Lúcia” poderia ser acrescido de reticências. Reticências que se voltam para a expressividade (ou a falta dela) que esses dois personagens demonstram ter em relação ao mundo e a tudo que os rodeia. Como se nos dissessem: Depois de Lúcia... nada mais importa, sofrer bullying não tem a menor importância, trabalhar não tem a menor importância, viver não tem a menor importância.

Comentários

Thais Bornéo disse…
Orgulho de você! Cada crítica que leio aqui é um filme que morro de vontade de ver! Você consegue despertar isso! Parabéns !!!!

Beijos amiga, saudades!
João. disse…
Tenho esse filme aqui. Com certeza irei assisti-lo. Beijos