Tomboy



Segundo o dicionário, a palavra "Tomboy" significa menina levada, que se interessa por atividades masculinas. E esse é o nome e tema do segundo longa da diretora francesa Céline Sciamma, que mais uma vez retoma a questão da sexualidade na pré-adolescência. Seu primeiro filme, "Lírios D'Água" (Naissance des pieuvres, 2007), aborda o despertar do desejo sexual entre meninas e meninos, sendo que uma dessas meninas se interessa por outra menina. Tanto em "Lírios D'Água" quanto em "Tomboy", a diretora e também roteirista, consegue referir-se ao universo infantil fazendo uso de uma narrativa que nos permite uma assimilação nostálgica por recordações daquilo que também já passamos.

Pelo título do filme já sabemos que Laure trata-se de uma menina, mas se não soubéssemos, poderíamos tranquilamente considerar que se tratava de um menino. Ela tem cabelos curtos, um rosto assexuado, usa roupas não muito femininas e brinca normalmente, tanto como faria um menino ou uma menina. Tem uma irmã menor, que é uma figura e rouba a cena do filme em diversos momentos, e com quem adora brincar e cuidar. No entanto, no período de férias escolares, a família se muda de cidade e Laure se apresenta às novas crianças do bairro como Michael, fazendo com que todas pensem que ela é um menino. Aos poucos ela vai se enturmando e se identificando mais com os meninos, com quem ela se sente mais à vontade. Uma das meninas, Lisa, se interessa por Laure e é a que se torna mais próxima, até o ponto de beijá-la, achando que ela é Michael.

O roteiro de Sciamma não tenta explicar ou justificar as atitudes de Laure, afinal as ações já falam por si. "Tomboy" parece ser a versão feminina de "Minha Vida em Cor de Rosa" (Ma Vie en Rose, 1997), do diretor belga Alain Berlinder. Neste, nos é apresentado um menino que tem todos os trejeitos de menina e que pensa ter nascido no corpo errado. Enquanto Berlinder opta por expressar no seu filme um tom de fábula, Sciamma se propõe em ser mais realista. Tanto que há o momento em que a verdade vem à tona e todos descobrem que Michael é Laure, afinal tal fato não poderia permanecer oculto por muito tempo.

O filme foi vencedor do Teddy Bear, no Festival de Berlim em 2011. Prêmio dado a filmes com temáticas homossexuais, no entanto, a diretora diz não querer ser rotulada como uma cineasta gay. Ela diz ainda que o filme só teve sucesso por ter encontrado a atriz certa. Zoé Héran, aceitou cortar o cabelo e conseguiu compreender todas as implicações que o filme poderia trazer. A família a acompanhou o tempo todo no set de filmagem. E para facilitar ainda mais, Sciamma chamou os amigos de Zoé para interpretarem seus amigos também no filme. Isso fez com que Tomboy ganhasse ainda mais naturalidade durante as cenas. E nada melhor do que ver questões tão complexas, seja no cinema ou na vida, de uma forma tão espontânea, bonita e poética.

Comentários

Maíra Mello disse…
Não sabia que a diretora era a mesma de Lírios D'Água. Lembrei que assistimos no Festival do Rio há anos atrás. Isso explica mais o olhar delicado sobre sexualidade no filme. Me lembrou também "Normal". Apesar desse já se tratar de transformações sexuais, digamos, na terceira idade. Mas independente do momento, penso que as interrogações relacionadas a transexualidade, trangêneros e afins são ainda muito mais complexas, independente da idade, do que a própria homossexualidade.
Tati Reuter disse…
Adorei a lembrança de Minha vida em cor de rosa... o filme é de 97 né? Nem lembrava que fazia tanto tempo. Uma das coisas que eu gosto é que a história se 'entrega' já no trailer e, ainda assim, diz a que veio quando vemos o filme. Muito bom!