“Na Praia À Noite Sozinha” é o filme mais íntimo e pessoal do diretor sul coreano Hong Sang-soo


Os diretores sul coreanos começaram a se destacar em meados dos anos 2000, quando seus filmes passaram a chamar a atenção da crítica mundial e do público por trazerem uma nova estética e abordagem ao cinema. Só para citar alguns: Park Chan-Wook, com sua trilogia da vingança, que contempla os filmes “Mr. Vingança”, “Oldboy” e “Lady Vingança”; a incrível sensibilidade de Kim Ki-Duk, com “Primavera, Verão, Outuno, Inverno... E Primavera” e “Casa Vazia”; Bong Joo-Ho, com “Memórias de Um Assassino” e, sua mais recentemente e conhecida produção em parceria com a Netflix, “Okja”.


Juntamente com essa leva de diretores, Hong Sang-Soo também se destaca por ser considerado, segundo alguns críticos, como o “Woody Allen sul coreano”. Seus filmes abordam sempre a mesma temática, envolvendo histórias de relacionamentos, com personagens que trabalham na área cinematográfica. “Na Praia À Noite Sozinha” segue a mesma risca, contudo, pode ser considerado o seu filme mais escancaradamente pessoal. É impossível desvencilhar o contexto ao qual Sang-soo passou no ano de 2016, quando veio à tona o seu caso extraconjugal com a atriz Kim Min-hee, que é muito popular na Coréia e constante em seus filmes. Essa história virou pauta em todos os tabloides coreanos e foi considerado um verdadeiro escândalo. Ainda mais que sua esposa se recusou a assinar o divórcio.

Sang-soo resolve então transformar em filme a sua própria história. Dividido em duas partes, Kim Min-hee vive corajosamente a protagonista. Uma atriz famosa que está na Alemanha visitando uma amiga, provavelmente, fugida da perseguição dos paparazzi coreanos que descobrem sobre seu caso extraconjugal com um diretor de cinema. Nessa primeira parte, durante os diálogos, percebemos a situação que Younghee (Kim Min-hee) está passando. O final dessa primeira parte termina de uma maneira misteriosa. Ela e a amiga estão em uma praia com um casal de amigos, então, em um dado momento, ela aparece sendo carregada por um desconhecido que havia surgido em uma das cenas anteriores perguntando as horas para as duas em um parque.


A segunda parte começa com ela dentro de uma sala de cinema, emocionada, assistindo um filme, talvez do diretor em questão. As luzes se acendem e ao sair ela encontra um velho amigo, que lhe coloca rapidamente à par dos últimos acontecimentos enquanto ela esteve fora da Coréia, e mais especificamente, na cidade litorânea de Gangneung. A elipse do retorno da protagonista é entendida durante essas conversas com os amigos que ela vai encontrando. Vale ressaltar que todas as características do estilo de filmagem de Sang-soo também se fazem presentes nesse filme: longas cenas de diálogos, o zoom e pouquíssimos movimentos de câmera.

O homem misterioso ressurge nessa segunda parte, no momento que a atriz entra no quarto de hotel com um casal de amigos. Ele está limpando o vidro da varanda e todos parecem ignorá-lo completamente, como se ele não estivesse ali. Em outra cena, reaparece na varanda do quarto, contemplando o mar. O que seria esse personagem? O que ele representa? Talvez um sentimento, uma emoção, responsável por trazê-la de volta a vida que deixou para trás?

Definitivamente esse é o filme mais pessoal e corajoso, não só de Hong Sang-soo, como da própria Kim Min-hee, onde apresenta uma atuação íntima e destemida. Conquistando, inclusive, o prêmio Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim 2017. 


Com “Na Praia À Noite Sozinha”, Sang-soo traz à tona a reflexão sobre a abrangência e profundidade do teor pessoal de um artista em relação a sua obra. Que nos faz pensar a respeito do alcance metalinguístico colocado de maneira tão intrínseca no contexto ficcional. No caso da linguagem cinematográfica, a imagem fílmica já contempla em si mesma o recorte de uma determinada realidade. Realidade essa que pertence ao universo específico ao qual se propõe, e com ela os espectadores interagem. No entanto, quando o diretor se coloca dentro do seu próprio filme faz com que percebamos de maneira mais nítida a fronteira entre a ficção e a realidade. Porém, aqui ambas se confundem e se complementam.

O filme estreia a abertura do "Festival Indie", que acontece em São Paulo, de 13 a 20, e em Belo Horizonte, de 20 a 27 de setembro. O festival completa 17 anos de existência e tem como objetivo trazer o pensamento contemporâneo sobre o cinema através dos filmes, na crença de que o cinema pode servir de experiência libertadora para abrir as infinitas possibilidades do pensamento. Na edição desse ano serão apresentados filmes que participaram, ou receberam, importantes prêmios em festivais mundiais, principalmente em Cannes. E ainda contará com uma mostra retrospectiva especial do diretor francês Phillipe Garrel.


FICHA TÉCNICA

Diretor: Hong Sang-soo
Roteiro: Hong Sang-soo
Elenco: Kim Min-hee, Seo Young-hwa, Jeong Jae-yeong
Produção: Hang Sang-soo
Fotografia: Park Hongyeol, Hyung-ku Kim
País: Coréia do Sul e Alemanha
Duração: 1h47min
Ano: 2017

 
FESTIVAL INDIE 2017

São Paulo de 13 a 20 de setembro
Belo Horizonte de 20 a 27 de setembro

Comentários